Um café com V.

Na sexta à tardinha fui tomar um café com V. Um dos temas da conversa foi a dificuldade de compreender a viabilização do atual presidente. A pergunta é mais ou menos essa: como um deputado federal que se apresenta como integrante do baixo clero, chega à presidência, como mantém um apoio que não baixa de um quarto do eleitorado, na medida em que diz claramente ser a favor de coisas como a ditadura militar, é homofóbico, duvida das urnas que o elegeram etc? Bebemos café e seguimos sem achados relevantes. Nos separamos, prometendo voltar ao tema.

Vou arriscar, da próxima vez, isso: a coisa toda é, certamente, multifatorial, mas tem algo a ser anotado. Ele vendeu-se e foi vendido como vencido: foi vencido pela caserna, que o mandou para casa, era vencido pelos deputados de esquerda, que o menosprezavam, era vencido pela atmosfera cultural que rebaixava temas como a família e quetais. Tem mais: que suas mãos estavam vazias. A imagem de mãos limpas e vazias é usada na política, pela direita e pela esquerda. No caso brasileiro, havia o contraste com mãos e malas cheias de dinheiro, no outro lado.

Sim, vai me retrucar o amigo, dá para explorar esse tema do “grupo vencido” que ganha uma voz, mas será que isso explica os vinte e cinco por cento que persistem até hoje? Seria tão grande esse amargor enterrado, sem voz? A ver, pois, como vemos, “a luta continua”, como se dizia na Itália do Duce. Não sei. Vai ser preciso café para pensar sobre um fato que me parece decisivo para entender isso: já quase não há mais política. Sempre houve pouca, mas hoje, mais do que nunca, fica evidente que a política tem um lado de psicopolítica cada vez mais importante, Nos momentos eleitorais isso fica evidente, a política se transforma, toda ela, em psicopolítica.

Alguns pensadores de esquerda ajudaram aqui. A dimensão psicológica da “conscientização” foi esvaziada por eles, em benefício da dimensão social da mesma. Parece uma contradição, eu sei. Consciência não é sempre uma coisa meio psicológica? Sim, mas isso foi deixado de lado, faz algum tempo. Faz muito tempo que “conscientizar” alguém é mostrar para o infeliz o lado certo das coisas. Assim não dá, convenhamos.

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