Um dos cartazes mais interessantes que vi nas manifestações de ontem trazia os seguintes dizeres: “Não há saída. Há praças, ruas, avenidas”. O cartaz me fez lembrar, como escrevi ontem, as manifestações políticas dos anos setenta e aquelas do início dos anos oitenta. Naquela época os slogans convergiam, e as frases eram poucas: diretas já, abaixo a ditadura, fora o FMI, e a coisa ia nesse tom. Havia uma saída, além do aeroporto do Galeão. Tratava-se do fim do regime militar, em essência. Hoje a Tinica me perguntou “quo vadis?“, para onde vai isso, no que vai dar isso? Eu fiquei pensando e concluí pelo cartaz que li ontem: pluft, plaft, zum, não vai a lugar nenhum: não há saída, há ruas, praças, avenidas.
Me explico melhor.
Dizem que Dona Dilma está reunida desde a manhã, para avaliar os acontecimentos. Ela está um tanto atônita e se pergunta, em especial, o que pode ser feito para interromper as manifestações que ocorrem no Brasil faz mais de semana. Ela espera que a decisão do pessoal do MPL (Movimento do Passe Livre) de não mais convocar manifestações arrefeça os ânimos e que a coisa toda se encerre nesse final de semana.
Qualquer pessoa de bom senso sabe que não há muita coisa que Dona Dilma possa fazer nesse momento, a não ser manter o bom senso; o bom senso faltou ao senador Cristóvão Buarque, que, numa crise de criatividade, está propondo a extinção de todos os partidos e a convocação de uma Constituinte já (deve estar apoiando a chapa 1, eu acho). Até Pedro Simon achou a idéia boa. Os intelectuais da USP reuniram-se hoje para conversar sobre o assunto e concluíram a seguinte conclusão: o assunto é complicado, requer uma análise muito cuidadosa.
Eu acho que é possível que a coisa arrefeça nesse final de semana. Mas depois que a coisa começa, nada nos garante que ela não volte logo, daqui a uma semana ou duas, com mais força ainda.
Tinica me perguntou para onde a coisa vai. Eu estou pensando com força nisso, mas o tempo do pobre é escasso, e o meu quase não existe mais nessa quinzena que me espera. Assim, o que eu posso dizer para a Tinica? Que eu não sei, e acho que ninguém sabe, “para onde a coisa vai?”, e “quando a coisa termina”. Todos temos uma idéia sobre de onde a coisa veio, no gatilho mais imediato: os vinte centavos, a indignação acumulada contra a corrupção e contra a roubalheira, esses cartazes. Acho que temos que pensar bastante sobre “de onde veio”, não no gatilho imediato, mas dentro do espírito do que ontem chamei, descuidadamente, de “ciclos”.
Faz vinte e alguns anos que tivemos um espasmo cívico parecido. Naquela época, como escrevi acima, os slogans eram poucos e iam na mesma direção. Em 2013, não apenas não falamos mais de uma ou duas coisas; agora partimos da base de direitos civis e políticos, para reivindicar uma multidão de coisas: qualidade de vida urbana, qualidade de educação e saúde, entre elas. E estamos reivindicando de volta alguns sentimentos que se empanaram com o tempo, entre eles dignidade e esperança.
Tinica, no fundo eu acho que as pessoas estão protestando por razões parecidas à do choro dos bebês: por uma certa alegria em se sentir vivas e dignas de um pouco mais de esperanças do aquelas que nos tem sido racionadas por nós mesmos e por nossos governantes. E é por isso que não há uma explicação simples, uma solução simples, uma saída. Estamos encalacrados mas há ruas, praças, e avenidas que esperam nossos próximos passos.
Mas a melhor, o que me fez rir litros, embora seja um assunto sério, foi o “deve estar apoiando a chapa 1″… Misturar dois assuntos , o micro e o macro… Só você mesmo, Ronai… Gênio!
Adorei a ” chapa 1″ . Foi minha risada gostosa do dia!!!!
alea jacta est!!!!!! Com esta acabei com meu latim!
Uma série de acasos me trouxe aqui nessa memorável postagem donde deduzo um legítimo axioma do agir humano: na falta de bom senso, não raro, experimentamos CRISES DE CRIATIVIDADE. Brilhante.
Perdi o timing do comentário em tempo real nos idos anos. De qualquer modo, hoje acho que se não havia (e não há) saídas – mas ruas, praças e avenidas – não é por falta de ter pra onde ir. Mesmo que massas se comportem de formas previsíveis, a verdade é que a massa cheirosa ( https://www.youtube.com/watch?v=kMWVWLn7_tw ) não parece apreciar muito o aroma de fumaça na camiseta da CBF. O que me faz pensar na diferença entre “ação” (que visa a transformação de um estado de coisas no mundo” e “gesto” (que visa expressar, reafirmar e retroalimentar uma posição identitária). Ou, nos termos da Maria Rita Kehl, entre “revolta” e “ressentimento”. Mas deixo isso pra outra hora, que o cursor do arquivo tese.doc está piscando de forma que quase posso ouví-lo. Um abraço!