O buraco da chepa, II

Algumas semanas atrás escrevi sobre as antigas instalações da Swift, em Rosário do Sul, em especial sobre o que chamei de “buraco da chepa”, uma janelinha que servia como comunicação entre a cozinha e o refeitório onde eram servidas as refeições para os operários. Hoje a postagem do blogue recebeu comentários de um rosariense, Jorge Telles, que trabalhou na Swift nos anos setenta. As histórias que ele conta são muito preciosas e julguei que não poderiam ficar no rodapé da postagem. Portanto, trouxe para a parte principal do blogue o comentário dele, que fica com a palavra:

“Trabalhei na Swift de Rosário nos anos 70. A janelinha era por onde as cozinheiras entregavam o pincher aos operários, nome que os americanos davam às refeições em Chicago, onde ficava a matriz do grupo Swift Meat Company. Ainda vive em Rosário do Sul a Doeña Soledad Iglesias, uma uruguaia que foi chefe dessa cozinha. Os operários de Rosário abrasileiraram o nome para pinche, a farta comida que consistia de um cardápio que podia incluir costela, bife de fígado, carne com mandioca, batata doce, picadão de carne com repolho, arroz, feijão, alface, dobradinha de mondongo, café preto ou com leite e um pão chamado cervejinha, a denominação do atual cacetinho. As hortaliças eram produzidas pela própria Swift na chamada ‘Quinta’, uma grande horta que ficava nos fundos da fábrica e que servia para abastecer as casas dos altos funcionários da Vila, os hóspedes do Hotel Swift e o operariado que comia o pinche no restaurante, tudo dentro da organização pragmática dos americanos. No começo as hortaliças como alface, couve e vagens eram vistas com desdém pelos operários. Eram coisas desconhecidas pela gauchada que tinha uma dieta muito pobre, composta por charque, batata doce, arroz e feijão miudo. Esta história vai ainda muito longe.”

Na foto acima aparece a chaminé da Swift; ao lado está o edifício de processamento de carnes, que tinha três ou quatro andares e salas refrigeradas. Hoje apenas o piso térreo está sendo usado como depósito de uma madeireira.
Este relato do Jorge Telles me fez lembrar uma outra situação. Conheci, faz algum tempo, alguns artistas butaneses que vieram trabalhar no Brasil; com o tempo fiz uma boa amizade com alguns deles e de quando em quando ainda vejo alguns deles. Nas conversas que tive com eles foi com alguma surpresa que escutei as histórias que eles contaram sobre os primeiros dias que passaram aqui no Brasil, quando foram convidados para comer em restaurantes e mesmo na casa das pessoas. Eles ficavam surpresos com a quantidade e variedade de saladas que as pessoas comem aqui no Brasil. Na região em que moram não existe essa tradição. Alguns deles, em tom de ironia, olhavam para as saladas e diziam que aquilo era “cow food”, comida de vaca.
Ora, segundo o relato do Jorge, a reação dos gauchinhos em Rosário era parecida. O que faz a gente pensar que para um gaucho desses mandioca cozida é salada.